quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Importar medicamentos do Paraguai é crime? - Revista Jus Navigandi

Importar medicamentos do Paraguai é crime? - Revista Jus Navigandi

TIPIFICAÇÃO

O delito de contrabando de medicamentos está tipificado no art. 273, § 1º e 1º-B, do Código Penal:

"Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quemimporta, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado".

O verbo "importar" destacado acima significa trazer para o território nacional, oriundo de outro país, o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado que tenha fins medicinais ou terapêuticos.

Mas ainda que o medicamento que não seja falsificado, corrompido, adulterado ou alterado a conduta será considerada como criminosa, conforme o disposto no § 1º-B do mesmo artigo:

"§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente".

Portanto, basta que se importe remédio que deixou de ser devidamente inscrito na ANVISA, ainda que não seja adulterado de qualquer forma, para a configuração do crime de importação de medicamento.

Veja integra:

http://meujus.com.br/revista/texto/17922/importar-medicamentos-do-paraguai-e-crime

O ELEMENTO SUBJETIVO NAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE E A NECESSIDADE DE SUA QUESITAÇÃO NOS PROCESSOS A SEREM JULGADOS PELO CONSELHO DE SENTENÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI

Sumário: 1. Conceito de Crime; 2. Elementos do Fato Típico; 3. Noções Sobre a Ilicitude 4. Noções sobre a Culpabilidade;5. Excludentes da Ilicitude 6. Necessidade do Elemento Subjetivo para Validade das Excludentes; 7. Quesitação do elemento subjetivo no julgamento pelo tribunal do Júri; 8. Conclusão


Resumo: Analisar resumidamente o delito para os adeptos da teoria finalista da ação, passando pelas excludentes da ilicitude e finalmente adentrar na questão da exigência do elemento subjetivo para a validação das excludentes e consequentemente a necessidade de sua quesitação nos procedimentos do Tribunal do Júri.


1- DO CONCEITO DE CRIME

            Superando o causalismo então vigente, os adeptos do finalismo iniciado por Welzel, passaram a considerar o dolo e a culpa não como espécies de culpabilidade, mas sim como formas de conduta, posto que o que seria doloso ou culposo é a conduta inicial do agente. O dolo que para a teoria causal era normativo, posto que ao “querer do agente” agregava-se a necessidade da “consciência da ilicitude” passou a ser simplesmente natural, ou seja, agora sem esse elemento normativo, para ser apenas simples “querer” do agente. A consciência da ilicitude foi parar na culpabilidade, mas recebida como Potencial Consciência da Ilicitude.

A culpa, também passa a ser vista como forma de conduta, posto que o agente mesmo não o querendo, mas por imprudência, imperícia ou negligência dá causa ao resultado, responde pelo delito na forma culposa, se prevista no tipo penal, posto que violou o dever objetivo de cuidado. Para saber se o sujeito agiu ou não com culpa, deve ser feito um juízo de valor sobre sua conduta, uma  valoração levando-se  em conta o que um “homem médio” faria no lugar do causador, isto é, se a média da sociedade agiria da mesma forma que o agente e em caso de resposta afirmativa, o causador do resultado não deve ser responsabilizado. Por sua vez, se constado que o correto seria um agir ou mesmo um agir mais cuidadoso, haverá então responsabilidade pela conduta culposa do agente.


Em razão da necessidade de se fazer esse juízo de valor acerca da conduta do sujeito causador do resultado, a culpa passou a ser o elementonormativo da conduta.

Visto as principais novidades do finalismo, Damásio de Jesus ensina que os adeptos desta teoria consideram o conceito analítico de crime como sendo o fato típico e ilícito, sendo  a culpabilidade um juízo de reprovação do sujeito ligado a fato típico e ilícito, portanto, para a existência de crime bastaria que o sujeito cometesse um fato típico e ilícito. Alguns autores, dentre eles Francisco de Assis Toledo, também adeptos do finalismo, consideram que o crime não tem apenas esses dois elementos, mas sim três, posto que  a culpabilidade também seria elemento de existência do crime, são  os adeptos da chamada teoria tripartite do delito.

A importância de se saber se o crime é composto de apenas dois elementos (teoria bipartite) ou de três (teoria tripartite) é demonstrada pelo clássico exemplo de Damásio de Jesus e mais precisamente no tocante ao delito de receptação dolosa de produtos roubados por um menor de idade, posto que se considerarmos a culpabilidade como sendo elemento do crime, o menor, por ser inimputável, portanto sem culpabilidade, não teria cometido crime algum e consequentemente quem adquirir dolosamente os bens por ele roubados não terá cometido receptação. Agora, se adotarmos a teoria bipartite do conceito de delito, veremos que o menor cometeu um fato típico e ilícito, portanto um crime e mesmo não sofrendo o juízo de reprovação de sua conduta, ou seja, não tendo culpabilidade, quem adquirir o produto do delito poderá responder por crime de receptação, ainda que o menor não responda pelo crime principal, sendo este o posicionamento da maioria da doutrina brasileira, como se observa analisando as obras de Fernando Capez,  Luiz Régis Prado e o próprio mestre Damásio Evangelista de Jesus, portanto, este será o conceito seguido no presente trabalho.

2- DO FATO TÍPICO
Uma vez analisado o que seria crime para o finalismo, passamos a uma breve síntese do seu primeiro elemento, mais precisamente o fato típico, que é composto de: a) conduta humana, comissiva ou omissiva, dolosa ou culposa, voluntária e consciente voltada para determinada finalidade; b) resultado naturalístico (nos delitos materiais) ou jurídico; c) nexo causal entre a conduta do agente e o resultado e d) que a conduta esteja anteriormente prevista em uma lei penal, ou seja, tipicidade.

Assim, o sujeito que fazendo uso de uma de fogo, dispara uma vez contra terceira pessoa, dando causa ao seu óbito, cometeu fato típico, posto que: a) realizou uma conduta comissiva dolosa ou culposa (disparo de arma de fogo); b) essa conduta gerou uma conseqüência ( nexo causal); c) a conseqüência foi o óbito do terceiro (resultado) e d) há previsão legal da conduta do agente no Art. 121 do Código Penal, portanto tipicidade.

Uma vez realizado o fato típico, por si, não basta para que o sujeito responda pelo delito, posto que, quer pela teoria bipartite do crime quer pela tripartite,  o cometimento de um fato típico, não significa a realização de um delito o sujeito cometeu um crime, uma vez que fato típico só interessa para direito penal se acompanhado da ilicitude.

3DA ILICITUDE

  Só é possível falar em análise da ilicitude de determinada conduta, para fins de direito penal, se for típica. Uma vez averiguado tratar-se de conduta típica, devemos passar apurar se também é ilícita, isto é, se há uma relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico.

Conforme acima já exposto, somente interessa estudar a ilicitude de um determinado comportamento se, antes de tudo, for típico. Como a análise da ilicitude recai apenas sobre fatos típicos, não podemos esquecer que somente os fatos mais graves para preservação da sociedade são reprimidos pelo direito penal, segundo princípio da Intervenção Penal Mínima.

Ora, como bem ensinado por Max Ernst Mayer, citado por Damásio de Jesus, se determinada conduta é sancionada pelo ordenamento jurídico a ponto de ser prevista em um tipo penal, quer dizer que uma vez realizado o fato típico, surge indícios que a conduta viola o ordenamento jurídico, posto que em todos os tipos penais incriminadores existem mandamentos proibitivos implícitos.

Pelo princípio da reserva legal ( nullum crimen, nulla poena sine lege), o que deve vir expresso pela norma penal é a conduta e a pena abstratamente prevista para ela. Assim, por exemplo, o tipo de furto previsto no Art. 155 do Código Penal consiste em “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, sendo que o mandamento proibitivo implícito ou oculto é  o de “ não furtarás”, o mesmo ocorre  no exemplo de um sujeito vir a matar alguém, pois sua conduta  é prevista no tipo do Art. 121, sendo que este artigo do Código Penal contém uma regra proibitiva implícita consistente em “não matarás”.

Se todo o tipo penal incriminador prevê implicitamente um mandamento proibitivo, uma vez realizado o tipo, consequentemente o mandamento proibitivo de imediato também foi violado. Daí porque, uma vez realizado o comportamento típico, surge indícios de que a conduta realizada era vedada pelo ordenamento jurídico, sendo certo falar-se então que o tipo penal, uma vez realizado no mundo concreto apresenta indícios de ilicitude, ou seja, apresenta indícios de que o comportamento fere ou põe em perigo um interesse tutelado pela norma.

Não é correto afirmar que todo fato típico é ilícito, pois na verdade, o tipo penal apenas apresenta indícios, tendências, de que determinada conduta seja ilícita, pois é possível que o causador do fato típico tenha atuado amparado por uma causa excludente de ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal), quando então o fato, embora típico, foi licito.

4- DA CULPABILIDADE

Após apurado que um fato típico, também é ilícito, se faz necessário averiguar se o autor do fato deve ou não receber uma sanção penal pela conduta realizada, ou seja, a culpabilidade é um juízo de censura, de reprovação sobre o comportamento do agente, com o fim e averiguar se o mesmo merece ou não pena pela conduta típica e ilícita realizada.

A apuração recairá sobre o sujeito que cometeu o crime, portanto consideramos a culpabilidade como pressuposto para a imposição de pena e não como elemento do crime,   analisando-se ao tempo da conduta se: a) ele era imputável; b) se tinha a potencial consciência da ilicitude  do seu comportamento e c) se lhe seria exigível nas circunstâncias em que cometeu o crime um comportamento diverso sendo, portanto, a culpabilidade composta por esses três elementos, ficando claro que o estudo de todos depende de um juízo de valor pelo interprete, daí porque podemos concluir que a culpabilidade seguiu a teoria normativa pura, vez que é composta apenas por elementos que dependem de um juízo valorativo ( normativos).

A Imputabilidade, vista como sendo a capacidade de entender o caráter ilícito do seu comportamento e de dirigir sua conduta de acordo com esse entendimento, pode ser afastada pelas suas causas excludentes, que são: doença mental, desenvolvimento mental incompleto, que inclui a menoridade; desenvolvimento mental retardado e embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

O aplicador da norma deve apurar se no caso concreto está presente uma das causas excludentes da imputabilidade, todavia, não basta que a causa exista, se faz necessário que a causa tenha influído no agente no momento da conduta criminosa e que em razão dela o agente  tenha perdido ou diminuído a sua capacidade de entender o caráter ilícito do seu comportamento ou de orientar sua conduta em conformidade com esse entendimento, uma vez que  o Art. 26 do Código Penal deixa claro que foi adotado o critério biopsicológico de aferição da inimputabilidade.

Uma vez comprovada da inimputabilidade pelo critério biopsicológico, cabe ao magistrado absolver o acusado, caso ele se mostre ser totalmente inimputável, nos termos do Art. 26, “caput” do Código Penal, posto que embora tenha cometido um fato típico e ilícito o mesmo não merece um juízo de censura sobre sua conduta, pois não teve condições de entender que estava fazendo “algo errado” ou de controlar seu comportamento a partir daquele entendimento. Note-se, que somente se analisa a culpabilidade sobre fato típico e ilícito, pois se presente uma causa excludente de ilicitude, o sujeito deve ser absolvido sem sequer se adentrar ao estudo da culpabilidade.

Mesmo absolvendo o acusado inimputável, se verificada pela perícia médica que o sujeito é perigoso para conviver em sociedade, isto é, tem periculosidade, deverá o magistrado aplicar-lhe medida de segurança caso tenha sido reconhecido como absolutamente inimputável, nos termos do Art. 97 do Código Penal

Pó sua vez, se a perícia médica constatar que o sujeito é semi-imputável, ou seja, sem tem sua capacidade de entendimento ou de orientação apenas diminuída e não totalmente excluída,  deve incidir o disposto no parágrafo único do Art. 26 do Código Penal, ou seja, a pena do crime diminuída mas diminuída de 1 a 2/3 ou aplicar medida de segurança, nos termos do Art. 98 do mesmo diploma. Assim,  ou se  aplica a medida de segurança ou a pena diminuída e nunca ambas as sanções para se evitar um bis in idem.

O segundo elemento da culpabilidade é a potencial consciência da ilicitude, que singelamente, significa ter condições de saber que seu comportamento é contrário ao ordenamento jurídico. Convém deixar claro que não se exige do sujeito que ele saiba que sua conduta está prevista no tipo penal, pois o que se averigua é se nas condições em que ele vive, tem como saber se sua conduta é errada, contrária ao direito, ao ordenamento jurídico, ou seja, não é averiguar se o agente sabe que está fazendo algo errado, mas sim se ele teve condições para saber, daí porque o segundo elemento da culpabilidade é a Potencial Consciência da Ilicitude.

Se a potencial consciência da ilicitude é o segundo elemento da culpabilidade, caso o sujeito faça uma má interpretação do que lhe é permitido fazer, atuará em Erro de Proibição . Este erro ocorre quando alguém, tendo em vista dentre outros fatores, as peculiaridades do ambiente onde foi criado e onde vive, bem como as sua condições individuais, notadamente a educação e o grupo social, acredita que sua conduta é amparada pelo direito, quando na verdade ela é reprimida, como por exemplo: aquele que flagra sua esposa com outro, crê que tem o direito de castigar a adúltera, quando na verdade não tem, faz com que o intérprete da norma e o aplicador do direito fiquem impedidos de reconhecer que ele tinha a Potencial Consciência da Ilicitude.

Caso o erro de proibição cometido pelo agente, após analisado, seja considerado como sendo aceitável, desculpável, escusável, afasta-se completamente a potencial consciência da ilicitude e ele não responde pelo crime pois uma vez afastado o segundo elemento da culpabilidade, não há mais que se falar em juízo de reprovação de sua conduta, nos termo do Art. 21 do diploma penal.

Por sua vez, quando embora presente no agente a crença de que sua conduta era lícita, quando na verdade não era, todavia, apurando-se que esse erro de interpretação acerca da licitude do seu comportamento ( Erro de Proibição) foi indesculpável, inescusável, o mesmo responde pelo delito, mas como pena diminuída de 1/6 a 1/3, nos termos do Art. 21.

O terceiro elemento da culpabilidade é a exigibilidade de conduta diversa, ou seja, averigua-se que no caso concreto, seria possível exigir-se do agente um outro comportamento diferente do que ele cometeu e caso conclua-se que sim, significa que estará presente a exigibilidade de conduta de diversa, todavia, se apurado que nas circunstâncias em que o agente cometeu aquela conduta típica e ilícita, dele não seria possível exigir-se outra conduta, afasta-se então o último elemento da culpabilidade.   

 Como causas excludentes da exigibilidade de conduta diversa, a doutrina costuma apontar a Coação Moral Irresistível e a Obediência Hierárquica.  

 6- DA ESCLUDENTES DE ILÍCITUDES

Uma vez já analisado, em síntese, alguns dos aspectos principais da teoria do crime, voltamos a atenção para o tema do presente trabalho, mais precisamente as excludentes da ilicitude que acima já foram enumeradas como sendo quatro, a saber: Estado de Necessidade, Legítima Defesa, Exercício Regular de Direito e Estrito Cumprimento do Dever Legal. Note-se que não vamos adentrar ao estudo individual de cada uma dessas excludentes previstas no Código Penal, nem acerca da existência de outras, as chamadas excludentes supralegais, posto que não são  os objetivos deste texto.

Cada uma das excludentes têm seus requisitos próprios, a saber:

O Estado de Necessidade exige: 1) Situação de Perigo Atual; 2) Ameaça a direito próprio ou alheio; 3) Situação não causada voluntariamente pelo sujeito; 4 ) Inexistência do dever legar de afastar o perigo; 5) Inevitabilidade do comportamento lesivo e 6) Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado.

A Legítima Defesa: 1) Agressão Injusta, atual ou Iminente; 2) Direitos do agredido ou de terceiros atacado ou ameaçado de dano; 3) Uso dos meios necessários; 4) Moderação no uso dos meios necessários.

O Exercício Regular de um Direito é composto pelo exercício de uma prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico.

Já o Estrito Cumprimento do Dever Legal é o cometimento de um fato típico pelo desempenho de uma obrigação legal.

Esses são, portanto, os requisitos objetivos das causas excludentes de ilicitude, todavia, segundo boa parte da doutrina brasileira, não são suficientes para garantir a exclusão, posto que ao lado dos requisitos objetivos de cada uma delas, há, implicitamente um requisito subjetivo, consistente em saber que se está atuando amparado por uma dessas causas.

Quem apresenta claramente a necessidade do elemento subjetivo ao lado dos objetivos, novamente é o professor Damásio de Jesus, que após esclarecer que para a teoria clássica ou causalista da ação, bastava a existência dos requisitos objetivos, ensina, em seu Direito Penal, 1º Volume, Parte Geral, Saraiva, 23ª. Edição, página 357, que:

“ Segundo passamos a entender, nos termos do finalismo, a conduta, para justificar  a exclusão da ilicitude, deve revestir-se dos requisitos objetivos e subjetivos da discriminante.
Assim, não é suficiente que o fato apresente os dados objetivos da causa excludente da antijuridicidade. É necessário que o sujeito conheça a situação justificante”.

Damásio cita como exemplo o sujeito que pretendendo matar seu inimigo o encontra em um matagal e sem que ele perceba atira várias vezes, matando-o, posteriormente fica provado que a vítima do homicídio tinha aos seus pés uma mulher que estava prestes de ser estuprada pela vítima do homicídio e conclui que nessa hipótese o atirador não estará coberto pela legitima defesa de terceiros, porque ele não sabia da situação justificante, posto que, citando Raul Eugenio Zaffaroni, “as condutas justificantes também são voltadas para determinada finalidade, portanto, a conduta amparada pela justificante deve ser dotada de dolo acerca da situação concreta excludente pelo tipo permissivo”.

 Fernando Capez, em seu Curso de Direito Penal. Volume 1, parte geral,  8 edição, Saraiva, página 268,  deixa claro que o conhecimento da situação justificante da situação de perigo é indispensável para configurar o Estado de Necessidade, conforme abaixo passamos a transcrever:
“...se o agente afasta um bem jurídico de uma situação de perigo atual  que não criou por sua vontade, destruindo outro bem, cujo sacrifício era razoável dentro das circunstâncias, em princípio atuou sob o manto protetor do estado de necessidade. No entanto, o fato será considerado ilícito se desconhecidos os pressupostos daquela excludente. Pouco adianta estarem presentes todos os requisitos do estado de necessidade se o agente não conhecia a sua existência. Se na sua mente ele cometia um crime, ou seja, se a sua vontade não era salvar alguém, mas provar um mal, inexiste estado de necessidade, mesmo que, por uma incrível coincidência, a ação danosa acabe por salvar algum bem jurídico. Exemplo: o sujeito mata o cachorro do vizinho, por ter latido a noite inteira e impedido seu sono. Por coincidência, o cão amanheceu hidrófobo e estava prestes a morder o filhinho  daquele vizinho ( perigo atual). Como o agente quis produzir um dano e não proteger o pequinino, pouco importam os pressupostos fáticos da causa justificadora: o fato será lícito”.

 Ainda, dissertando sobre a legítima defesa esclarece que: “mesmo que haja agressão  injusta, atual ou iminente, a legítima defesa estará completamente descartada se o agente desconhecia essa situação. Se, na sua mente, ele queria cometer um crime e não se defender, ainda  que, por coincidência, o seu ataque acabe sendo uma defesa, será ilícito”.

 Do mesmo modo, analisando o Estrito Cumprimento do Dever Legal, afirma que “essa excludente, como as demais, também exige o elemento subjetivo, ou seja, o sujeito deve ter conhecimento e que está praticando um fato em face de um dever imposto pela lei, do contrário, estaremos diante de um ilícito”.

Finalmente, quando trata do Exercício Regular de um Direito, menciona que sua configuração depende de se encontrar no sujeito o elemento subjetivo, ou seja, o conhecimento da situação justificante nos seguintes termos: “o exercício regular do direito praticado como espírito  de mera emulação faz desaparecer a excludente. É necessário o conhecimento de toda a situação fática autorizadora da excludente. É esse elemento subjetivo que diferencia, por exemplo, o ato de correção executado pelas vias de fato, da injúria real ou lesões, quando o genitor não pensa em corrigir, mas em ofender ou causar lesão”.

Por sua vez, o jurista paranaense Luiz Régis Prado, citando Juarez Tavarez, César Roberto Bitencourt e outros, na obra Curso de Direito Penal Brasileiro, 2ª edição, RT, página 243,  faz coro no sentido da necessidade da existência do elemento subjetivo nas excludentes de ilicitude, no seguintes termos:

“O elemento subjetivo deve estar presente em todas as causas de justificação, sendo necessário que o sujeito atue não só com conhecimento e vontade de que ocorram seus elementos objetivos, mas também com ânimo ou vontade no sentido da justificante.”

Também indicando a necessidade do requisito subjetivo nas excludentes, o Ministro Francisco de Assis Toledo, , em seu Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 5ª. Edição, folhas 205, explica o tema da seguinte forma:

“ Assim como no estado de necessidade e nas demais causas de justificação, exige-se o elemento intencional que, na legítima defesa, se traduz no propósito  de defender-se. A ação defensiva- já o dissemos- não é uma fenômeno cego do mundo físico, mas uma verdadeira ação humana. E como tal só se distingue da ação criminosa pelo significado positivo que lhe atribui a ordem jurídica. Em uma, isto é, na ação criminosa, dá-se o desvalor da ação; em outra, na ação defensiva, reconhece-se  a existência de um intenso conteúdo valioso. Em ambas, porém, a orientação de ânimo, a intencionalidade do agente, é elemento decisivo, pois o fato, que, na sua configuração ou aparência exterior, permanece o mesmo ( exemplo;  causar a morte de um ser humano), dependendo das circunstâncias e também dos motivos e da intenção do agente, pode ser: homicídio doloso ou culposo; legítima defesa; excesso doloso, culposo ou excludente de legítima defesa; legítima defesa putativa.
Como dizer, diante dessa variedade de possibilidades, que a legítima defesa é uma fenômeno puramente objetivo? 
O certo, a nosso ver, será reconhecer-se que na legítima defesa concorrem elementos objetivos e subjetivos. Os objetivos já foram examinados anteriormente. Os últimos- os subjetivos- são os motivos e a intenção do agente que se revelam no intuito de defender-se, no agir “para defender-se”, sem com isso se exija uma consciência da ilicitude  do fato”.

Portanto, à luz dos ensinamentos dos mestres acima citados, podemos concluir que exige-se  para a configuração das excludentes de ilicitudes, além dos requisitos objetivos, o conhecimento da situação justificante, ou seja, que o agente atue  sabendo que sua conduta está amparada por uma das situação previstas como excludentes de ilicitude, nesse sentido julgados apresentados por Mirabete, em seu Código Penal Interpretado, Editora Atlas, folhas 211, do TJBA  revelado na RT 594/385 e do TJSP na RT 375/79, contra a necessidade do elemento subjetivo há menção de outro julgado do TJSP descrito na RT589/295 e RTJESP 89/359.

7  DA QUESITAÇÃO DO REQUISITO SUBJETIVO  NOS JULGAMENTOS PELO TRIBUNAL DO JÚRI

Embora a maioria da doutrina aponte a necessidade da presença do requisito subjetivo para a caracterização de qualquer das excludentes, temos que na prática dos tribunais, bem como nos exemplos de quesitos nos livros acadêmicos de autoria dos próprios defensores do elemento subjetivo, há reiterada omissão na quesitação sobre a existência do elemento subjetivo, conforme passamos a demonstrar:

Damásio de Jesus, que em seu Direito Penal, Parte Geral, Editora Saraiva, páginas 298 e seguines, defende a necessidade do elemento subjetivo, conforme acima já transcrito, em outra obra clássica de sua autoria, o Código de Processo Penal Anotado, Editora Saraiva, apresenta “ modelos de quesitos”, sem sequer mencionar o elemento subjetivo para nenhuma das excludentes, conforme passamos a reproduzir:

 Legítima Defesa Própria:”1) O pertinente à autoria e materialidade; 2) O pertinente à letalidade ou tentativa, se for o caso; 3) O réu praticou o fato repelindo agressão à sua pessoa?; 4) Essa agressão era injusta?; 5) Essa agressão era atual?; 6) Essa agressão era iminente?; 7) Os meios empregados na repulsa era necessários?; 8) O réu usou moderadamente desses meios? 9) O réu excedeu, culposamente, os limites da legítima defesa? ( Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, Editora Saraiva, página 111)

Legítima Defesa de Terceiro: “1) Autoria e materialidade; 2) Letalidade ou tentativa (se for o caso); 3) O réu praticou o fato repelindo agressão contra a pessoa de fulano...? Seguem-se os demais quesitos da defesa própria. Negada a legítima defesa, o júri será indagado  sobre as qualificadoras contidas no libelo, eventuais  circunstâncias  agravantes e, finalmente, sobre as atenuantes”

Estado de Necessidade: “1) Autoria e materialidade; 2) Letalidade ou tentativa (se for o caso); 3) O réu praticou o fato para salvar de perigo atual direito próprio ( ou de terceiro, conforme o caso);? Deverá ser indagado no quesito a espécie de direito: direito à vida, v.g. 4) Era razoável exigir-se  o sacrifício desse direito nas circunstâncias em que se deu o fato? 5) O réu não provocou, por usa vontade, o perigo atual do direito referido? 6) O réu não pôde evitar de outro modo, o perigo atual do mencionado direito? 7) O réu tinha o dever legar de enfrentar o perigo ocorrido?”

Estrito Cumprimento do Dever Legal: 1) “1) Autoria e materialidade; 2) Letalidade ou tentativa; 3) O réu praticou o fato no estrito cumprimento do dever? 4) O dever que o réu cumpriu era legal?”

Exercício Regular de Direito: “1) Autoria e materialidade; 2) Letalidade ou tentativa; 3) O réu praticou o fato no exercício regular de seu direito consistente em... ( especificar). 4) Era regular o exercício desse direito? “

Fernando da Costa Tourinho Filho, que é citado por Damásio, adota praticamente os mesmos modelos de quesitos em seu Código de Processo Penal Comentado, Editora Saraiva, 3ª, edição, folhas 111 a 117.

Fernando Capez, na mesma obra já citada, página 278, apresenta modelo de quesitos para o caso de alegação de legítima defesa no delito de homicídio, no seguinte modo:

1) O réu, no dia 22 de janeiro do ano 200, por volta de 2 h, no interior de sua residência, efetuou disparos de arma de fogo em direção  à vítima, produzindo-lhe os ferimentos descritos no laudo necroscópico e fls. 18? ( autoria e materialidade).
2) tais ferimentos foram a causa da morte dessa vítima? ( letalidade). Este quesito só é indagado aos jurados se a resposta  ao primeiro for afirmativa por unanimidade ou maioria de votos.
3) O rei praticou o fato em defesa de sua própria pessoa?
4) Defendeu-se de uma agressão atual?
5) Defendeu-se o réu de uma agressão iminente ? ( A afirmação do quesito anterior torna prejudicada este).
6)Defendeu-se o réu de uma agressão injusta? ( a resposta negativa ao quesito 3, aos quesitos 4 e 5 conjuntamente ou ao quesito 6 elimina a legítima defesa   e o agente para a responder pelo crime cometido).
7) O réu empregou os meios necessários em sua defesa? ( a resposta negativa a este quesito não afasta a legítima defesa, mas torna prejudicado o seguinte e leva diretamente à quesitação do excesso).
8) O réu usou dos meios necessários em sua defesa? ( a resposta negativa a este quesito não afasta a legítima defesa, levando à quesitação do excesso).
9) O réu excedeu, dolosamente, os limites da legítima defesa? ( Se afirmativo a resposta, surge o chamado excesso doloso ou consciente, e o agente responde pelo crime praticado, a título de dolo, não se beneficiando da legítima defesa; se negativa, passa-se ao quesito seguinte).
10) O réu excedeu, culposamente, os limites da legítima defesa? ( se afirmativa a resposta, o agente responde pelo crime que cometeu, a título de culpa; se negativa, os jurados responderam que houve excesso, mas que não derivou  nem de dolo, nem de culpa, surgindo a chamada legítima defesa subjetiva ou excesso exculpante, em que não existe fato típico, ante a exclusão de  dolo e culpa).

Portanto, constatamos que alguns autores, mesmo defendendo a necessidade do elemento subjetivo nas excludentes de ilicitude, não o inclui na quesitação aos jurados, fato que constantemente ocorre nos tribunais deste país.

O professor Mirabete, em sua clássica obra Processo Penal, Editora Atlas, página 530, ao falar da quesitação da legítima defesa, assim estabelece:

“ Assim, quanto à legitima defesa, por exemplo, é necessário que se indague  separadamente sobre a existência da agressão da vítima, sobre a injustiça, sobre sua atualidade, sobre sua iminência, sobre o emprego dos meios necessários, à repulsa e sobre a moderação desses meios.”

Concluímos assim, que o jurista também não indica um quesito específico acerca do elemento subjetivo da legítima defesa.

Portanto, embora a maioria da doutrina seja clara acerca da necessidade do elemento subjetivo nas causas excludentes de ilicitude, a própria doutrina, assim como a jurisprudência,  omitem-se sobre a necessidade da quesitação quando invocada uma causa excludente da ilicitude nos julgamentos pelo plenário do Tribunal do Júri.

Não há indícios acerca de qual seria o motivo dessa omissão pelos doutrinadores, sendo na verdade, em muitos casos, verdadeira contradição. Ademais, não nos parece razoável adotar e defender determinada teoria, para em seguida, às vezes na mesma obra, ao explicar o modo prático de aplicação da tese não cumprirem os seus próprios ensinamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo que acima foi exposto, este pequeno texto tem a finalidade de alertar ao estudioso do direito que, uma vez adotada a teoria que exige o elemento subjetivo nas excludentes de ilicitude, indispensável que see passe a quesitar referido elemento nos Conselhos de Sentença, sob pena de acabarmos por considerá-lo como sendo presumido em toda e qualquer alegação de excludente de ilicitude, o que certamente favorecerá à defesa, uma vez que não precisará se preocupar com a sua comprovação.
Finalmente, ousamos sugerir que os ilustres doutrinadores revisem suas obras, seja para considerar o elemento subjetivo como de desnecessária comprovação, seja para alterar os exemplos de quesitos sobre excludentes de ilicitude, para então incluí-lo, posto que, conforme tese por eles mesmos defendida, trata-se de requisito indispensável para a configuração de uma causa excludente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 1 : parte geral,  8 ed. São Paulo: Saraiva.
JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal, Volume 1, Parte Geral. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
JESUS, Damásio Evangelista. Código Penal Anotado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
MIRABETE, Julio Fabrini. Código Penal Interpretado, São Paulo: Atlas, 1999.
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal ,10 ed. São Paulo: Atlas, 2000.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileito. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
TOLEDO. Francisco de Assis, Princípios Básicos de Direito Penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 3 ed. São Paulo> Saraiva, 1998

RETIRADO DE :

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Entes de Direito Internacional Público economizam milhões contratando mão-de-obra brasileira

Na maioria dos Consulados, Embaixadas e Organismos Internacionais é cada vez mais comum a prática de contratar trabalhadores locais, em vez de trazê-los do exterior.
Tal fato não surpreende, já que essa medida permite aos governos uma enorme economia, pois para conseguir deslocar um trabalhador de um país a outro, seja ele um diplomata ou um jardineiro, é necessário oferecer-lhe vantagens. Há países que proporcionam aos seus enviados salários até dez vezes maiores daqueles que receberiam se não houvesse a transferência internacional. Além disso, alguns governos ainda pagam as despesas de transporte de todos os móveis da pessoa transferida, garantindo à ele e aos seus familiares o reembolso ou o pagamento direto de passagens para que possam retornar anualmente à pátria. Há governos que oferecem, além disso, moradia gratuita e reembolsos de gastos médicos, etc... Contratar empregados locais torna-se, portanto, um grande negócio, já que todo esse dispêndio desaparece do orçamento de se manter um staff no exterior, e até aqui, ninguém está fazendo nada de mal. O problema começa quando o Ente de Direito Público Externo quer economizar também sonegando direitos garantidos ao trabalhador pela lei local. A este ponto, torna-se necessária a pronta intervenção não apenas da Justiça do Trabalho mas também do Ministério das Relações Exteriores, pois em quase a totalidade dos casos, o empregador quer fazer aplicar certos privilégios, que detém em outras áreas, dizendo-se absolutamente imune à legislação brasileira. Embora o senso comum possa dar razão à essa tese, embalado pelos filmes de Hollywood e pela televisão (que pouco contribuem para esclarecer o que de fato ocorre), a Justiça brasileira não pode deixar-se enganar. Inicialmente cabe esclarecer que o chão que se pisa dentro dos escritórios desses empregadores continua sendo solo nacional. Se não fosse assim, Brasília seria um queijo "suíço" e não a capital do Brasil. Para exemplificar com um evento histórico, já em 1865 os tribunais franceses recusaram à Rússia o pedido de extradição de um cidadão russo que tentou assassinar um secretário russo, mas que acabou sendo preso dentro da Embaixada russa, pela polícia francesa. O Tribunal de Paris alegou, com total razão, que o crime não podia ser considerado como cometido fora do território francês e dessa forma, expôs a realidade: que a Representação russa na França é território francês. Segundo o mesmo raciocínio, embora haja a concessão de alguns privilégios, por acordos internacionais, não se vislumbra a possibilidade de considerar-se solo estrangeiro qualquer pedaço do Brasil, nem mesmo que no Registro de Imóveis constasse como proprietária daquela porção de terra uma nação estrangeira. Afirmo isso sem medo de estar equivocado, pois há muito (pelo menos há dois séculos) a teoria da extraterritorialidade não vigora.
Retirado de :Jus Navigandi
Ver na integra:

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O divórcio e separação no Brasil após a Emenda Constitucional nº 66

A modificação mais patente se deu no sentido de consagração de princípio da autonomia da vontade aplicado às relações conjugais e na abolição da culpa.
Sumário: Introdução; 1. Um breve panorama sobre a evolução do divórcio no Brasil. 2. As três correntes doutrinárias sobre o tema na atualidade. 2.1 O divórcio direto ainda não existe no ordenamento brasileiro? 2.2. A separação ainda permanece presente no nosso ordenamento jurídico? 2.3. A separação judicial deixou de existir? Considerações Finais; Referências.

Introdução

A denominada PEC do divórcio terminou por ser aprovada (EC 66) e trouxe consigo radicais e necessárias mudanças na forma de dissolução do vínculo matrimonial. A modificação mais patente se deu no sentido de consagração de princípio da autonomia da vontade aplicado às relações conjugais e na abolição da culpa.
Explique-se. A necessidade obrigatória de prévia separação judicial revelava-se patentemente atentadora à autonomia da vontade dos indivíduos envolvidos naquela relação. O instituto da separação judicial se mostrava algo no mínimo, imprestável e sem razão de ser na atualidade. A manutenção de um vínculo apenas na esfera jurídica, quando no patamar afetivo e factual deixou de existir, é efeito de uma legislação ultrapassada, com fundamento em uma "sacralização" do liame matrimonial que não mais existe – ou não deveria existir – na sociedade hodierna. [01]
Seja vislumbrando o casamento pela corrente contratualista, seja vendo-o como uma instituição, tem-se como certo que o vínculo se origina pela vontade das partes; portanto, nada mais arrazoado que seja dissolvido pelo mesmo elemento volitivo. Ninguém melhor do que os envolvidos para saber como e quando desconstituir a sua união. Descabe ao legislador e ao Estado impor óbices para que o término da sociedade conjugal seja levado a efeito. [02]
Não se pretende, no presente estudo, seguir de modo exaustivo a evolução da divórcio no Brasil. A ideia é apresentar um pano de fundo, necessário ao bom entendimento do panorama jurídico nesta seara no momento atual, pois, sem uma perspectiva evolutiva, ainda que genericamente delineada, jamais qualquer instituto – jurídico ou não – atingirá uma percepção minimamente correta.
Tampouco se busca esgotar a matéria – tarefa quase impossível, em um momento de transição e verdadeiro "caos" teórico –, mas tecer algumas breves considerações sobre o tema e externar a nossa opinião atual.

1.Um breve panorama sobre a evolução do divórcio no Brasil

No texto original do art. 315 do Código Civil de 1916 apenas constavam três formas de término da sociedade conjugal: morte de um dos cônjuges; nulidade ou anulação do matrimônio; ou pelo desquite, judicial ou amigável. Fazendo uma exegese do referido dispositivo no texto original da Lei 3.071/16 é de se entender que o casamento era indissolúvel, já que os desquitados não estavam liberados da relação jurídica criada pelo casamento, ou seja, não podiam casar-se novamente.
Inspirado na doutrina católica e enraizado em ideias patrimonializantes das relações pessoais, o Direito das Famílias de tal época não permitia a dissolução do casamento em vida. Era a materialização do axioma de que "o que Deus uniu o homem não separa" [03].
Porém, o fato de o casamento ser indissolúvel não impedia os indivíduos de se desligarem da relação matrimonial e refazerem suas vidas afetivas com o vínculo denominado de concubinato, aplicável à época a todas as relações extramatrimoniais. A autonomia da vontade das pessoas, não obstante não existisse no plano legislativo, se fazia presente no plano factual. Entretanto, tais liames afetivos restavam quase por completo desprotegidos no âmbito jurídico, sendo tratados – quando muito – como meras sociedades de fato.
Não demorou para que a sociedade começasse a pressionar no intuito de que fosse editada no Brasil uma lei que permitisse o divórcio. A implementação do instituto no Brasil defrontou um processo moroso de críticas, debates e movimentos organizados, liderados maioritariamente por componentes e intelectuais da Igreja. Imagine-se que foram quase 3 décadas para que o divórcio fosse aprovado!
Como assevera Lourival Serejo, "previa-se, então, o caos da família brasileira, a disseminação da falta de respeito entre os casais e a proliferação de casamentos fáceis que já nasceriam com o estigma da separação, pois lhes faltaria o vínculo da indissolubilidade". Complementa ainda o jurista que, "depois de muito tempo de vigência, entretanto, o uso do divórcio não importou em descontrole nem anarquia". [04]
Assim, em 1977, foi aprovada a Emenda Constitucional n. 9, de 28 de Junho de 1977, que outorgou nova redação ao § 1º do art. 175 [05] da CF de 1967, que passou a dispor que "o casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos". Os casamentos anteriores à EC n. 9 estavam submetidos a um prazo de separação de cinco anos, para poderem buscar o divórcio. Assim, em tal época, foi criado o sistema binário de terminação do matrimônio, regulamentado na legislação infraconstitucional pela Lei n. 6.515/77 – Lei do Divórcio, que revogou os arts. 315 a 324 do CC 1916. O denominado desquite foi substituído pelo instituto da separação judicial ou de direito.
Mas a busca por essa extinção ainda era muito espinhosa. Com o advento da Constituição Federal de 1988 houve um grande avanço, nesta seara, com a diminuição do lapso temporal para o divórcio por conversão, precedido de uma separação de direito, cujo prazo foi diminuído para um ano e a criação de um novo meio de dissolução do casamento, o divórcio direto, cujo prazo era de dois anos de separação de fato, sem a necessidade de prévia separação judicial.
Espelhando-se na norma constitucional, a Lei n. 7.841/89 extinguiu o limite de concessão de divórcio, instituído pelo art. 38 [06] da Lei n. 6.515/77, pondo fim à curiosa situação onde os indivíduos só poderiam divorciar-se uma única vez. Como afirmam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, tal limite ocasionava uma estranha situação: "se uma pessoa divorciada viesse a convolar núpcias com uma pessoa ainda solteira, não seria possível a dissolução deste casamento, violando frontalmente a liberdade daquele que nunca havia se divorciado antes". [07]
O Código Civil de 2002 trouxe basicamente o que a Lei do Divórcio [08], já trazia: a morte, a anulação ou nulidade do casamento, a separação judicial e o divórcio eram as quatro formas terminativas do casamento. Apenas duas delas eram dissolutivas: a morte e o divórcio. Ou seja, apenas a morte e o divórcio colocavam fim à sociedade e ao vínculo conjugal, trazendo consigo a possibilidade de as partes convolarem novas núpcias. Finalmente, em 2007, a Lei n. 11.441/07 passou a possibilitar, através de escritura pública, a separação e o divórcio extrajudiciais.
Antes de se tentar chegar à resposta da questão crucial deste escrito (o que realmente fez a EC 66 no sistema jurídico brasileiro?), uma questão secundária também merece uma pitada de atenção: de que realmente servia – ou serve, para aqueles que acreditam que ele ainda existe – o sistema binário de dissolução da sociedade conjugal? [09]
Sobre a injustificabilidade desse sistema dual – que alguns ainda alegam existir –, asseveram Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que "não há justificação lógica em terminar e não dissolver um casamento. Escapa à razoabilidade e viola a própria operabilidade do sistema jurídico". [10]
A "cláusula de arrependimento" existente no art. 1.577 do CC brasileiro poderia ser considerada como dispositivo "morto", de difícil utilização, posto que, via de regra, ao se chegar ao ponto de uma separação judicial, tal decisão foi amadurecida, além de desejada. Uma reconciliação, como demonstram diversas pesquisas, ocorriam em casos excepcionais e, para além disso, se assim o desejarem, os divorciados podiam e continuam podendo casar-se novamente com os ex- cônjuges. Assim, é mister reafirmar o entendimento, perfilhado por Maria Berenice Dias [11] de que, esse suposto benefício da separação é "deveras insignificante". Como a autora afirma, "mais prático e barato – além de mais romântico – é celebrar novo casamento, que até gratuito é".

2.As três correntes doutrinárias sobre o tema na atualidade

Para uma boa parcela de operadores do direito brasileiro o divórcio direto já é uma realidade, um fato indubitável, e a separação judicial instituto que pertence ao nosso museu jurídico. Entretanto na opinião de alguns juristas, a modificação feita no § 6º do art. 226 da Constituição Federal não parece ser suficiente para que se entenda por extinto o instituto da separação judicial no ordenamento jurídico brasileiro ou ainda, que se entenda pela existência do divórcio direto, sem necessidade de prévia separação judicial ou decurso de qualquer lapso temporal. São tais posicionamentos guarnecidos de razão? Analisemos cada corrente.
2.1. O divórcio direto ainda não existe no ordenamento brasileiro?
Há quem entenda que a modificação ocorrida no § 6º do art. 226 da Lei Maior brasileira não afigura-se suficiente para que o divórcio direto, sem necessidade de prévia separação judicial ou qualquer decurso de tempo, esteja instituído em nosso território. E mais: chega-se a classificar tal dispositivo como "lei travestida de Constituição".[12]
Entende Luiz Felipe Brasil Santos, Desembargador do TJRS, que a supressão da referência constitucional aos requisitos para conseguimento do divórcio – lapso temporal ou prévia separação judicial – não denota que aqueles pressupostos tenham sido extirpados automaticamente, mas tão somente que, deixando de existir na Carta Magna, e permanecendo unicamente na legislação ordinária – CC, como subsistiram por 40 anos, entre 1937 e 1977. Entende, portanto, que tão-somente passou a existir uma abertura para que esta seja alterada. [13] Ou seja, na ideia do nobre jurista, enquanto não for feita uma modificação ou supressão em relação à separação judicial e aos pressupostos de obtenção de divórcio na lei civil, a EC 66 não surtirá efeito algum, não passará de letra morta. O doutrinador baseia a sua fundamentação na seguinte ideia:
Nossa primeira Constituição a dispor acerca dessa matéria foi a de 1934, que, no art. 144, erigiu a princípio constitucional a indissolubilidade do vínculo matrimonial, como estratégia para dificultar a introdução do divórcio em nosso país, acrescentando, no parágrafo único, que "A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento(...)". 
A Constituição de 1937, porém, em seu art. 124, embora tenha mantido o princípio da indissolubilidade, calou acerca do desquite, que, no entanto, permanecia previsto no Código Civil. O mesmo ocorreu com a Carta de 1946, com a Carta outorgada de 1967 (art. 167) e com a Emenda Constitucional 01/69: preservação do princípio da indissolubilidade do vínculo e silêncio completo acerca do desquite, que, como notório, sobrevivia soberanamente apenas na legislação ordinária (Código Civil de 1916). 
Ao que se saiba, na época, ninguém sustentou a tese de que, pela circunstância de que a Constituição deixara de contemplar o desquite dentre seus dispositivos, esse instituto fora abolido. E isso pela singela razão de que o desquite continuava previsto no Código Civil. E isso bastava!   [14]
Tal juízo não parece ser o mais adequado para o caso em tela. Data venia, parece-nos haver uma inversão da hierarquia dos atos normativos, um erro metodológico, através de uma tentativa de se traçar uma concepção constitucional com fundamento na lei ordinária, no Código Civil. [15] O revés deve ocorrer. Como assevera a jurista portuguesa Isabel Moreira, "a Lei fundamental deve ser lida sem o óculo do direito ordinário vigente", e o que interessa é determinar o que, à data, independentemente do que prescreva o direito ordinário, a Constituição impõe, e daí retirar as devidas consequências. [16]
Os argumentos de que a separação judicial subsiste no ordenamento jurídico brasileiro são justificáveis, até aceitáveis, apesar de não comporem o nosso ponto de vista, como ver-se-á mais adiante. Todavia, afirmar-se que o divórcio direto só existirá no ordenamento brasileiro se a legislação ordinária for modificada e expressamente o determinar, parece-nos um entendimento completamente desarrazoado. A Constituição já afirmou que o divórcio direto é possível, eliminando do seu texto a separação judicial e a necessidade de qualquer transcurso de tempo. Como afirma o douto jurista português J.J. Canotilho, a Constituição "é uma lei hierarquicamente superior – a lei fundamental, a lei básica – que se encontra no vértice da ordem jurídica, à qual todas as leis têm de submeter-se". [17]
Como bem afirma Paulo Lôbo,
No direito brasileiro, há grande consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da força normativa própria da Constituição. Sejam as normas constitucionais regras ou princípios não dependem de normas infraconstitucionais para estas prescreverem o que aquelas já prescreveram. O § 6º do art. 226 da Constituição qualifica-se como norma-regra, pois seu suporte fático é precisamente determinado: o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, sem qualquer requisito prévio, por exclusivo ato de vontade dos cônjuges. [18]
Portanto, é de se concluir que o divórcio direto já possui plena e justa aplicação no Brasil. A questão que resiste é: a separação judicial subsiste no ordenamento brasileiro?
2.2. A separação ainda permanece presente no nosso ordenamento jurídico?
É fato notório que a chegada da EC 66 ao texto constitucional ocasionou uma verdadeira celeuma entre os juristas brasileiros. Como já refeirdo, três correntes bastante definidas emergiram, e esta segunda corrente – não obstante não nos filiarmos à mesma – merece toda atenção aos seus argumentos.
O bloco de juristas que se filia à essa ideia, entende que a separação continua presente no ordenamento jurídico brasileiro, pelo menos como procedimento opcional ou facultativo. [19] Alguns entendem que o verbete "pode" presente na dicção constitucional é fator suficiente para a sobrevivência do instituto da separação no ordenamento jurídico brasileiro. Outros [20], com argumentos mais substanciais, afirmam que, o texto constitucional pretérito apenas dizia respeito ao requisito da prévia separação e não ao instituto em si. Assim, entende-se que foi abolido não o instituto da separação de direito, mas tão-somente a exigêndia de 2 anos de separação de fato ou 1 ano de separação de direito para a obtenção do divórcio.
Alguns filiados a essa corrente prevêem uma inafastável insegurança jurídica, enquanto a legislação ordinária não for adequada ao texto constitucional atual. Como afirma Mário Luiz Delgado
a uniformização do entendimento pelo Supremo Tribunal Federal [21] ou pelo Superior Tribunal de Justiça demandará ainda longos anos e enquanto a legislação ordinária supostamente incompatível com a Constituição não vier a ser revogada expressamente, muitos casos serão decididos ora de um jeito, ora de outro. [22]
Complementa o jurista, citando Zeno Veloso que, além do mais
a decisão no sentido da revogação só terá efeito entre as partes, não estando afastado o risco de os juízes e tribunais terem opiniões divergentes, decidindo de uma forma e de outra, gerando confusão, estabelecendo contrastes, criando in intranqüilidade e trazendo insegurança para um tema que é da maior gravidade. [23]
Em resumo, os filiados a essa corrente entendem que a separação subsiste no sistema legal pelas razões supraaduzidas. E fazendo uma interpretação dos argumentos utilizados, os adeptos entendem que a mesma deve continuar a existir por três motivos: por uma questão de de possibilidade de opção das partes (se querem pôr fim ao vínculo matrimonial ou apenas à sociedade conjugal) – o que se traduziria no livre exercício da autonomia privada das partes;[24] pela possibilidade de reconciliação e, por fim, pela questão da perquirição da culpa. [25]
Questiona-se: tais motivos são razoáveis e coerentes para se defender a manutenção da separação judicial no ordenamento jurídico brasileiro? Não nos parece.
2.3.A separação judicial deixou de existir?
Promover e prolongar a manutenção de um vínculo que, muitas vezes não passam dos "restos" do que foi um dia uma relação, atenta frontalmente o princípio da dignidade humana daqueles indivíduos, além de mitigar fortemente o princípio da liberdade, desdobrado na liberdade de desconstituir essa ligação na forma como lhes for mais conveniente. E é para isso que o instituto da separação judicial servia. [26] Para procrastinar algo que é iminente: o desenlace e para fomentar a infelicidade desses indivíduos.
Além do mais, deve-se atentar para a vontade do legislador. É certo, como bem afirma Paulo Lôbo que a o direito se afirma com a mens legis mas, a mens legislatoris não pode ser desprestigiada. A doutrina especializada confere-lhe importante função, até mesmo como vetor da própria mens legis. [27] Assim, seguindo o juízo fomentado pelo jurista alagoano, é de se afirmar que indispensável trazer à baila o cerne da justificativa que alicerçou a ação do legislador constituinte, contida na PEC:
Não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite. Criou-se, desde 1977, com o advento da legislação do divórcio, uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o que não mais se sustenta. Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses de separação dos cônjuges, sejam litigiosos ou consensuais. A submissão a dois processos judiciais (separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis.
Por outro lado, essa providência salutar, de acordo com valores da sociedade brasileira atual, evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias sejam revelados e trazidos ao espaço público dos tribunais, com todo o caudal de constrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação.
Podemos afirmar, portanto, que o verbete "pode" contido na redação constitucional levasse a uma errônea ideia de manutenção da separação no ordenamento jurídico, tal argumento poderia ser rebatido com a seguinte ideia, com fundamento na justificativa que fundamentou a resolução do legislador: um desajuste entre a letra da norma e o "espírito" da mesma, ou seja, entre a vontade expressa e a vontade presumida do legislador, no sentido de que a formulação da norma em questão não abarca o caso da maneira que o legislador intentava disciplinar.
Poderíamos – se enxergássemos uma má redação do artigo – que levasse a uma interpretação errônea, de que a separação subiste no sistema jurídico brasileiro, ainda alegar que estaríamos diante de uma "norma deficiente", pois não atingiu o objetivo almejado, [28] que deve ser integrada ao espírito do sistema, mesmo indo de encontro àquilo que dimanaria de uma interpretação puramente literal. E qual o espírito desse sistema? O objetivo deste dispositivo? A expurgação da separação do ordenamento jurídico brasileiro.
Indo um pouco mais além: de acordo com a exegese que se pode fazer da nova redação que terá o art. 226 da Constituição brasileira e dos dispositivos conexos na legislação ordinária, se pode dizer que, abolida estará a discussão da culpa em sede de divórcio. Todavia, partilhando-se da ideia de Fernando José Simão, é de ser dizer que não se deve ter
a impressão de que a culpa desapareceu do sistema, ou que simplesmente se fará de conta (no melhor estilo dos contos de fada) que o cônjuge não praticou atos desonrosos contra o outro, que não quebrou com seus deveres de mútua assistência e fidelidade. A culpa será debatida no locus adequado em que surtirá efeitos: a ação autônoma de alimentos ou eventual ação de indenização promovida pelo cônjuge que sofreu danos morais ou estéticos. [29]
Como bem afirma Waldyr Grisard Filho – não obstante o autor se filie à corrente que entende subsistir o instituto da separação judicial no Brasil – o "divórcio express" elimina "obstáculos, impedimentos, prazos e atividades burocráticas (audiências, interrogatórios, pareceres, perícias, testemunhas, sentenças e recursos)", ou seja, expurga tudo o que invade a privacidade do par, que deve se subjugar tão-somente à sua vontade, como valor garantido pelo sistema jurídico, apartando uma excessiva intervenção estatal na vida privada dos indivíduos. [30]
Antes mesmo do surgimento da EC 66, a culpa já vinha perdendo espaço dentro do direito brasileiro. Como bem demonstra Paulo Lôbo: a guarda da prole não podia mais ser negada ao cônjuge culpado pela separação, pois se trata de decisão vetorizada pelo melhor interesse das crianças e/ou adolescentes envolvidos; a partilha dos bens não está condicionada à culpa de qualquer dos consortes; os alimentos devidos aos filhos não são determinados em razão da culpa de seus progenitores e até mesmo o cônjuge culpado possui direito a alimentos "indispensáveis à subsistência"; a dissolução da união estável não está condicionada à culpa dos companheiros. [31]
A perquirição da culpa traduz-se em uma imiscuição exacerbada na intimidade, na vida privada e familiar dos indivíduos. Nada mais acertado que tal ingerência só ocorra se assim uma das partes o desejar, em processo autônomo de alimentos ou em uma possível ação de reparação civil. Mais uma vez, se faz presente a promoção da autonomia da vontade, cabendo às partes e não ao legislador determinar a necessidade ou não da investigação da culpa nas suas relações pessoais.
Também afastada está toda e qualquer necessidade de lapso temporal para a obtenção do divórcio. Casaram-se ontem e desejam divorciar-se hoje? Assim o será.
Quanto às pessoas que estão separadas judicialmente, entendemos que o estado civil será mantido até que um ou ambos do par iniciem uma ação de divórcio direto, para adquirirem o status de divorciados. Relativamente às ações em andamento, entendemos que as partes deverão ser intimadas para se manifestar se querem converter a ação de separação em ação de divórcio. Caso queiram, o pleito prossegue como divórcio. Em caso contrário, há extinção do processo, por impossibilidade jurídica do pedido.
 fonte: 

Jus Navigandi